RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA
DIOCESE DE OSASCO
A Renovação Carismática Católica balançou, sacudiu e, para alguns, virou a Igreja de cabeça para baixo. Mas até que ponto isso é verdade? Que histórias são contadas? Qual foi a experiência dos pioneiros?
Com essas questões saímos a campo. Em nosso caminho: irmãos fascinantes – verdadeiros guerreiros na fé. Relatos de quem teve uma vida transformada. Experiências reais que se multiplicaram através de iniciativas simples e ajudaram católicos a regressarem para a Igreja. Histórias de perseverança, lutas, lágrimas, conquistas e vitórias – fatos de pessoas que foram salvas e se colocaram a serviço para resgatar outros. Irmãos que lutaram por um ideal e acreditaram que algo de extraordinário estava acontecendo na vida da Igreja: Foi o início de um Novo Pentecostes.
Nossos protagonistas falam como aconteceram os primeiros encontros da RCC em Osasco. Dizem a respeito de uma reposta às aspirações mais profundas da alma sedenta do homem que aconteceu num momento oportuno em que a Igreja se norteava por ideologias contrárias aos anseios dos batizados. Levou-os a viver uma fé expectante através do anúncio querigmático a ponto de muitos relatarem que após a experiência do Batismo no Espírito Santo puderam sentir um amor profundo por Jesus, um maior gosto pela leitura da Sagrada Escritura, um desejo de comunhão com Deus na oração e, sobretudo, uma vontade de viver a santidade proposta pelos sacramentos da Igreja.
Os primeiros servos impactados pelo poder do Espírito Santo e motivados pelo então jovem seminarista norte-americano (hoje, Pe. Eduardo Dougherty) começaram seus primeiros encontros nas casas, garagens, salões… Segundo eles, não podiam se expressar livremente porque causavam estranheza aos que os ouviam, mas, mesmo assim, arrastavam dezenas de pessoas que iam se multiplicando e se juntando aos “loucos de Deus”, que movidos pelo Espírito Santo, mostravam-se cada vez mais apaixonados por Jesus.
Como tudo começou…
Começamos reproduzindo trechos do relato de um Sacerdote – aquele seminarista de 1969, o nosso amado Padre Eduardo Doherty. Gravamos este relato nas instalações de sua obra, a Rede Século 21 em Valinhos.
“Eu sou o padre Eduardo Dogherty. Louvo e agradeço a Deus por todas as maravilhas que Deus fez na minha vida. Foi em 15 de março de 1969 que eu fui batizado, mergulhado no Espírito Santo.
Estava estudando no Canadá e ouvi falar de uma Renovação Carismática… fui aos Estados Unidos, à Michigan, e lá um grupo de jovens impuseram as mãos na minha cabeça. Eu louvo e agradeço a Deus por isso porque minha vida mudou – foi antes de ser sacerdote… Em junho de 1969 vim para o Brasil e orei com padre Haroldo Rahm em Campinas.
Naquele tempo, 1969, na paróquia da Vila São José em Osasco estive com Padre Jack Vessels. Foi uma passagem rápida, pois precisei voltar para terminar os estudos nos Estados Unidos. Após minha ordenação voltei para Osasco em 1972, morei na Vila São José de 72 a 77. Ali comecei a rezar com pessoas e a pedir o batismo no Espírito Santo através de retiros. Lembro-me muito bem de Vila Yara, Vila São José, Vila Airosa, Jd. Mutinga. Lembro-me de impor as mãos nas pessoas, orar por elas, exortá-las a ceder ao dom de línguas. Foram muitos retiros…
No ano de 1973, em Campinas, fizemos o primeiro Congresso Nacional da RCC. Eu trouxe Pe. De Grandis em 73, 74, 75. Ele esteve em Osasco e a metodologia de Pe. De Grandis é a seguinte: Você fala sobre batismo e reza pelo batismo, fala de dom de línguas e ora por dom de línguas e ajuda as pessoas a ceder ao dom de línguas, a mesma coisa com profecia, sabedoria, ciência, fé.”
Diante desse testemunho, começamos a entender as graças e maravilhas que viriam nas décadas seguintes e com essas informações chegamos à conclusão que as primeiras sementes lançadas em 1969 deram início as orações nas casas, visitas, encontros e até Cenáculos (em estádios na Cidade de São Paulo e no Ginásio José Liberatti em Osasco).
O primeiro grupo de oração foi formado na Vila São José, fruto da estadia do Pe. Eduardo no Seminário São José. Dona Maria de Lourdes da Vila Yara/Osasco que o acompanhou, hoje conta seus 83 anos. Ela nos ajudou narrando um pouco dessa experiência. Lúcida e bem resolvida em sua vida espiritual, D. Lourdes diz:
“No início, as pessoas foram convidadas a participar de grupos de oração, não se tratava de grupos como entendemos hoje, as pessoas iam às casas, cantavam alegremente, batiam palmas, oravam e exercitavam os dons carismáticos. Iam pelas ruas e pregavam o evangelho.”
Lourdes, falou sobre a experiência que teve com o Espírito Santo através do Pe. Eduardo em 1970. Até mostra orgulhosa, uma foto da ordenação sacerdotal do padre que por algum tempo a acompanhou nos retiros, encontros e cenáculos na cidade de São Paulo. Contou-nos também como foi beber dessa primeira fonte.
Com a D. Lourdes, outro ilustre senhor desbravou esse campo na cidade de Osasco, foi o Sr. Francisco que hoje esnoba saúde e afirma serem 88 anos bem vividos. Segundo ele, enquanto caminhava com o Pe. Eduardo teve uma experiência que também transformou sua vida. Foi impactado pelo Espírito Santo e muitas vezes chamado de louco pelos padres e pelos irmãos de comunidade. Foi perseguido, não compreendido, mas mesmo assim ajudou a formar outras comunidades e realizou trabalhos de evangelização no qual se lembra com muito carinho.
Outra pessoa que conta bem essa história é a D. Madalena (Jd. das Flores – Paróquia Espírito Santo). Ela nos contou que nas vigílias e orações no monte, realizadas em Barueri, o Senhor prometia àquele povo uma terra que manaria leite e mel. Anos depois, ela identificou que o terreno em que oravam há quase trinta anos atrás é o mesmo das instalações da Nossa Casa Nossa Benção hoje.
- Madalena contou de fatos importantes lembrando-se também do Sr. Toninho que teve o desprendimento de ajudar na abertura de diversos grupos de oração, sendo o primeiro no Jd. das Flores: ‘O Sr. Toninho ia nos encontros em Campinas e trazia os ensinamentos para serem multiplicados entre os grupos que iam se formando’. Pouco se sabe sobre o Sr. Toninho, pois Deus o chamou muito cedo e quase nada se deixou registrado desse início, somente essa lembrança de sua breve passagem pela Renovação e a grande contribuição para o movimento.
Em 1980, o movimento já estava bem consolidado e já havia coordenadores numa estrutura um pouco mais organizada. Lembramos com carinho de nossos primeiros coordenadores diocesanos: Roque, já falecido e Aloísio, homens simples que amavam Jesus e a RCC. Nesse período ficaram evidentes as perseguições, porém nessa época foi onde aconteceu o período de maior crescimento nas casas e creches. Os grupos sendo formados nas cidades da Diocese foram se consolidando, mas poucos grupos de oração se reuniam nas Igrejas. Destacamos nesse período o Padre Paulo Link (Com. São Vicente) que recebeu de braços abertos os membros dos Grupos de Carapicuíba e os manteve num período bem complicado, a partir dali foi formado o GO “Unidos do Senhor Jesus” (Paróquia São Lucas) que é considerado o primeiro grupo da Cidade.
Na região de São Roque não era diferente, como relata o Sr. Geninho: “Começamos na Igreja de São Benedito, depois o grupo foi crescendo e a igrejinha já não comportava, foi quando mudou para o colégio São José, lá era um depósito de coisas velhas. Nós reformamos, arrumamos a iluminação e montamos um som e o Grupo começou a se reunir lá até a chegada do Padre João que os trouxe de volta para Matriz.”
Os desafios em tempos difíceis…
Como fogo na palha seca, os testemunhos e histórias eram espalhados por pessoas que recebiam curas e eram transformadas pelo evangelho levando suas experiências para as paróquias. Com isso, os grupos começaram a ser formados e o movimento ganhava corpo, porém, com a exposição, começaram as críticas, as perseguições, muitas delas por pessoas de dentro da igreja que devido ao desconhecimento e desconfiança taxavam o movimento de ‘um bando de doidos’, crentes disfarçados dentro da igreja (crentes aqui são o que chamamos de evangélicos), além de acusações para deturpar a Fé Católica.
Naquele período havia uma efervescência política, em que os “renovados” contrariavam: os “teólogos da libertação”. A radicalidade vivida por aquelas pessoas, foco em Jesus e nada mais, os deixavam avessos às questões políticas e até acadêmicas, não havia possibilidade de unir a fé e questões sociais.
Esse período difícil durou do início dos anos de 1980 até agora a pouco, em 2000. Foram cerca de vinte anos de muita luta, joelho no chão, louvor, novenas e rosários. As pessoas foram literalmente expulsas, impedidas de utilizar qualquer instalação nas paróquias. E quando os grupos cresciam nas casas, garagens e creches, alguns sacerdotes criticavam e vetavam os membros mais conhecidos. Em um dos relatos mais marcantes e dolorosos, D. Lourdes (São Vitor) nos contou que ela e mais alguns membros tiveram a Santa Eucaristia negada e foram obrigados a sair da procissão de comunhão.
Segundo o Sr. Joaquim (Carapicuíba) uma das pessoas que mais lutou e sofreu as perseguições foi o Sr. Albino, um homem de Deus e grande profeta. Incansavelmente levou a Palavra do Senhor a muitos locais e defendeu a vida carismática. Deixou saudades e marcas profundas de sua evangelização.
Uma história contada por D. Madalena foi sobre o dia em que o padre informou que o grupo estava suspenso por tempo indeterminado, era 1983 e retornou depois de muita oração de cerco (orações e rosários em volta da Paróquia) em 1994.
Cada um sabia da cruz que deveria carregar, mas firmes em oração e comunhão com a Igreja, participavam das Missas e trabalhos pastorais. Mas nem todos. Ailton Oliveira (Par. SP da Cruz) que é membro da RCC há 35 anos conta sobre irmãos de caminhada que deixaram o movimento relatando tristes fatos da migração para igrejas protestantes: ‘Irmãos queridos que não suportaram a perseguição ou não entenderam porque estavam fora das Igrejas e se desviaram do caminho’, lamenta.
O Crescimento e Estruturação da RCC Osasco
Na década de 90 a Renovação Carismática foi convidada a viver um novo tempo com a Ofensiva Nacional que propunha um mutirão de formação com o propósito de uniformidade e estrutura do movimento no Brasil. Foi nesse período que Albino, Marcos, junto com Nelino e mais alguns irmãos fundaram a Associação Triunfo de Deus em 1992. Foi o início da organização do escritório diocesano que se estabeleceu no centro de Osasco.
O primeiro estatuto da Associação Triunfo de Deus, órgão que representava juridicamente o movimento em Osasco foi datado de 08/12/1992. A partir de então a cada 3 anos havia eleição para uma nova coordenação. Destacamos aqui o histórico do acervo do escritório e a presença marcante de homens e mulheres que ajudaram a construir a história na diocese. Os pioneiros dessa nova estrutura foram: Albino Cunha, Nelino Siquera, D.Maria e Sr. Ovidio Marqui, Marcos Ferri, Sr. Luciano Polaz e Rogerio Santos, esses irmãos conduzidos pelo Espírito Santo trouxeram ao movimento ares de renovação. Lutaram com afinco e fervor dando suas vidas para estabelecer o movimento na diocese. Levou o povo a pastos verdejantes, e a fontes seguras da espiritualidade carismática. Como se esquecer de suas lutas para defender os grupos de oração, para formar os servos e administrar o patrimônio da RCC Osasco.
Foram tempos difíceis que contabilizaram numa renovação mais estruturada que estava pronta para desbravar os desafios do próximo século.
Os frutos visíveis
A partir do início dos anos 2000, as paróquias aos poucos foram abrindo as portas. Uma grande motivação para o movimento que rapidamente passou de 50 para 150 grupos de Oração na Diocese.
Essa abertura deve-se aos frutos daquele período. Além dos padres que iam sendo batizados no Espírito Santo, foi um período onde as vocações afloravam e diversos jovens tiveram suas vidas mudadas e direcionadas ao caminho sacerdotal.
Depois da tempestade vem a bonança! E naquele período começou a surgir uma juventude santa. Jovens que mesmo em meio ao furacão perseveraram com vigor e abençoados seguiram seu chamado. Dentre os mais diversos, chamamos atenção a dois que estão bem próximos de nós e foram relatados em quase todas as entrevistas: Padre Nilso Motta e o Padre José Eduardo. Os dois, desde adolescentes caminharam nos grupos de oração, intercedendo e levando a palavra com fidelidade.
Nossa Diocese tornou-se um celeiro de vocações. Pregadores, músicos, ministros de louvor, missionários, formadores e irmãos que se comprometeram efetivamente na evangelização e fidelidade com a Igreja de Cristo. No início eram três pessoas numa casa na Vila São José, hoje são 187 grupos de oração com aproximadamente 2000 servos, nas 9 Regiões Pastorais e nas 12 Cidades da Diocese de Osasco.
A nossa história contada nos dias atuais
Trajetórias, biografias, ganhos, perdas, início, recomeço. Dias que tinham tudo para serem frios, mas que deixaram escapar o amor, a obediência e a vivência fraterna.
Jesus pode ser o Senhor das nossas vidas com apenas uma referência de humildade. A prova viva é que os últimos momentos são os melhores momentos, os mais genuínos, que representam a essência principalmente quando se sabe agradecer, perdoar, agregar, e por que não: sonhar até o último momento.
A nossa história não é medida pela quantidade de dias, mas sim pelo conteúdo de cada segundo. Aprendemos a valorizar o que se tem hoje: A estrutura estabelecida, o Espaço Elena Guerra, o escritório diocesano, meios de comunicação livres, um lugar no Corpo Místico de Cristo.
Além da estrutura, a disponibilidade e as portas abertas pelo clero, acontecem todos os dias da semana pelo menos um grupo de oração em cada cidade desta diocese, não sendo mais necessário colocar um cartaz meio escondido para indicar quando e aonde seria a próxima reunião de oração, como relatou D. Lourdes (São Vitor).
Reconhecimento
A sensação de dever cumprido é o marco de nossos protagonistas, porém com a impressão de não ter feito tudo o que deveria – sempre se achando devedor. E aqueles que não estão mais aqui para contar essa história?… Sem problemas, a história se encarregou de contar sobre suas vidas, suas lágrimas, suas lutas. Talvez não conseguiram ver o que nós vemos, mas de alguma forma foram sementes que germinaram no solo fecundo desta diocese. Agradecemos a Deus por eles, pioneiros tombados como patrimônio histórico deste movimento, somos gratos por suas vidas gastas por um ideal: A implantação da Cultura de Pentecostes. Como se esquecer de Albino Cunha (Rochdalle), Sr. Luciano (Jandira), Dona Maria, Sr. Toninho e tantos outros irmãos que adormeceram em Cristo?